domingo, 5 de novembro de 2017

No olho do tornado e outras hipérboles

Amanhã haverá uma tempestade. Serão raios, trovões e ventos muito fortes. Temos risco de haver tornados. A recomendação é sempre exagerada, como se estivéssemos a beira de um cataclisma sem precedentes na história da humanidade. Foi assim no vórtex polar de 2013 e será assim em todos os anos, para todos os eventos naturais. E eu sou cria do Twistter, o filme, não o jogo. Então, planejo ficar em casa, segura, quentinha e bem longe de vacas.
Mas, Ártemis, não tô acompanhando.
É, é que essa história me fez lembrar de um causo que eu nunca contei por aqui, e agora me parece a hora perfeita.
Então, pega lá a pipoca, senta confortável e vem comigo, de volta a 2015.

Era junho. Eu já morava aqui tinha um tempinho e nunca soube que Illinois (o estado onde fica Chicago) fazia parte da rota dos furacões. Ficou chocadx? Pois é, eu também fiquei em 2015. E sabem como eu descobri isso? No olho de um tornado.

Era junho e, como vocês sabem (e se não sabem deem uma olhada no meu relato de parto), Arthur nasceu neste lindo mês. Então, estava eu prestes a ir passar umas férias no Brasil, com o aniversário do rebento a poucos dias de acontecer e eu resolvi fazer o quê, o quê? Isso: comprar as lembrancinhas da festinha que teríamos no Brasil numa loja daqui. Ia sair baratinho e com certeza faria sucesso (como de fato fez). Estávamos com um amigo hospedado aqui em casa e ele queria comprar umas coisas para o casamento dele, então decidimos ir juntos.
Eu nunca, nunca, nunca saio de casa sem olhar o aplicativo de previsão do tempo. Nunca. Isso e tirar as luvas da mochila são duas coisas que eu nunca faço aqui. Uma maluquice está ligada a outra: o clima doido da região pode trazer um frio de lascar em pleno verão ou outras gracinhas climáticas altamente insuspeitas para uma carioca como eu. Na minha terra, o clima funciona assim: temos duas estações, o verão e o eutono (eu tô no inferno). De manhã a temperatura é sempre mais baixa e geralmente ela vai aumentando ao longo do dia até se tornar insuportável por volta de meio-dia, uma da tarde, então ela vai baixando de novo - às vezes não muito, é verdade - até que de madrugada/de manhãzinha ela está mais baixa. Outro funcionamento climático bastante preciso e regrado: se o tempo tá com aquele bafo quente, lá vem chuva. E no verão vai ser chuvona rápida e pesada. Fim. Mas aqui, amigos e amigas, é tudo louco e imprevisível. Tem bafão sem chuva, tem calor de madrugada e um frio de rachar ao meio-dia do mesmo dia, tem chuva e cinco minutos depois um céu tão azul que faz a Galinha Pintadinha parecer verde. É doido assim. Por isso as luvas e por isso sempre aquela conferida no aplicativo de previsão de tempo - que, felizmente, funciona com uma precisão bastante impressionante, dando os MINUTOS do horário da chuva e geralmente acertando.
Pois bem, era junho e eu vi no aplicativo que choveria. Bastante. Raios e trovões previstos. Pensei: vou estar no trem, depois na loja, só tenho hoje para compras as lembrancinhas porque viajamos amanhã, então decidi encarar. Nosso amigo embarcou na maluquice comigo e lá fomos nós, sacolejando dentro do trem e chegando na loja com ajuda do GPS.
Entramos, vimos muitas coisas, separamos algumas, desistimos de outras e fomos pagar. Pagamos. Deu fome. Pensei: é rapidinho até em casa, ainda não tá chovendo, não sei onde comer por aqui por perto, vou entrar logo no trem e como em casa.
Bom, depois desse dia, existem TRÊS coisas que eu nunca faço aqui: sair de casa sem luvas, sair de casa sem checar o tempo e sair de onde quer que eu esteja sem comer, porque eu tenho o péssimo hábito de desmaiar quando fico mais de três horas sem comer.
Entramos na estação cheios de sacolas e, de repente, em questão de três, quatro minutos, o céu virou noite. Ainda era cedo, mas precisaram acender as luzes da plataforma. Tinha muita gente ali esperando o trem. E o lugar foi enchendo cada vez mais. E mais. E o céu foi escurecendo mais e mais e mais e... ZÁÁÁSSS. Cabrum.
O primeiro raio caiu relativamente perto de nós e iluminou meu rosto abobado diante daquela tempestade monumental. Eu entendi ali o sentido da expressão "brewing a storm". A coisa estava meio que em ebulição na minha frente, com as nuvens escuras se movendo em alta velocidade e com os raios caindo cada vez mais perto e a intervalos mais curtos. De repente, um raio cai no segundo prédio depois da estação. E nada de o trem chegar. E nada da minha fome melhorar (óbvio). E eu não sabia se minhas mãos estavam frias de nervoso, frio ou fome. Depois do último raio a cidade entrou em alerta. As sirenes dispararam, algumas luzes se apagaram e ficamos ali, na plataforma apinhada de chicagoanos entediados, ouvindo as sirenes entrecortadas por trovões. Minha pressão começou a cair e eu fiquei apavorada com a possibilidade de desmaiar em meio a um tornado, pois meu celular começou a vibrar loucamente com alertas vermelhos piscando e avisando dos tornados que vinham chegando. Paniquei. Liguei pro marido. Dei mini chilique com o amigo. Pensei, com o pouco de energia que me restava, em estratégias de sobrevivência: voltar correndo para a loja de onde viemos e me entupir de chocolates? Descer e pegar um táxi? Agarrar o primeiro transeunte pela gola da camisa e gritar "stop this train"? Ops, essa última ideia eu já tinha usado outra vez, em outra história e não tinha dado muito certo.
Enfim, meu estado de nervos era tal que quando chegou o trem eu nem me lembro como consegui um lugar sentada. Talvez eu tenha pedido ajuda, talvez o amigo tenha sido cavalheiramente sagaz e tenha guardado um banco para mim. Não me lembro, porque eu só conseguia pensar em vacas voando, em desmaios cinematográficos em meio à multidão, nos noticiários que contariam a história da mãe que foi levada pelo tornado quando saiu para comprar lembrancinhas para a festa do filho.
Chegamos em casa antes da chuva, antes do tornado que afinal nunca veio e antes do meu desmaio. Hoje virou história engraçada para entreter os amigos, mas sendo história, também me serve de lembrança e aviso para o futuro. Amanhã temos previsão de tempestades fortes e possibilidade de tornado. Estou em casa, com comida na geladeira e luvas na bolsa. Ainda bem que é novembro, um mês sem aniversários por aqui.

4 comentários:

  1. Você tava na Lagoa esses dias, já tá de volta a Chicago...
    Cidadã do mundo, cidadã inquieta.

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    1. Pois é! Voltei em setembro. Ficamos aqui por mais uns anos. Depois não sabemos. :)

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  2. A melhor parte... zás cabrum! Hahahaha eu fico trêmula se a glicose baixa muito, visão turva normal, desmaiar nunca mas sempre tenho algo na bolsa! Uma maçã uma banana, um chocolate! Água tbm!

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  3. Isso mesmo! Água também é super importante nessas horas. Que sufoco, né?
    =)

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