terça-feira, 23 de agosto de 2016

Café de lúpulo

Domingão de sol e depois daquele almoço lauto que dá vontade de hibernar por uns cinco dias tudo o que os adultos precisavam era de um café. Starbucks é como maria-sem-vergonha aqui, mas estamos cansados do café de lá (que nem achamos bom, apenas conveniente) e decidimos ir em um lugar aqui perto, um onde nunca tínhamos ido, um que foi avistado pela minha própria pessoa quando passava de táxi nas redondezas.
Desenho, é o nome, jurei. Que nome engraçado, responderam.
Ficava a umas três quadras de onde estávamos, avisei. Tudo bem, o dia está lindo, vâmu.
Fumo.
Passamos os mercados, a estação de trem, uma obra, encontramos uma conhecida, contamos para ela onde íamos, nos despedimos da moça e, enfim, chegamos.
Uma graça o lugar: mesas coletivas, clima descontraído, balcão alto de frente para a rua, pessoas sentadas ali, vendo a vida passar.
Sorrio, abro a porta e... uma lufada do aroma in-con-fun-dí-vel de cerveja, muita cerveja me atinge. E foi assim que descobri, em um domingão ensolarado, que o café lindinho pertinho da minha casa é, na verdade, uma cervejaria com bebidas de fabricação própria. Minha sorte é que errei o nome na hora de contar sobre o "novo lugar incrível" para a conhecida. O nome é Caderno de Desenho, e café ali, só se fosse feito de malte, lúpulo e água.

segunda-feira, 8 de agosto de 2016

O resgate oriental

Domingo de sol e todos no parque. Um festival de artes movimenta a cidade e parece que todo mundo está ali, na beira daquele laguinho artificial com patinhos nadadores.
Encontramos Lola, a menina fofa que corria com Arthur na aula de música. Conversamos um pouco, as crianças correm, tudo bem.
Lola vai embora e Arthur decide que quer ir ver os patinhos.
Lá na beira do laguinho tem pato e passarinho, e a brincadeira é correr na beirada, sobre o calçamento de pedras, para espantar as aves. O calçamento é estreito e de pedra, por isso, fico em pânico e vou junto. Falo 237854 vezes para ele parar de correr porque pode cair na água ou se estropiar nas pedras. Por 237854 vezes ele me ignora. E corre. E ri. E acha um barato arriscar cair na água cheia de cocô de pato.
Decido falar mais uma vez, porque sou mãe e recebi treinamento ainda na maternidade para efetuar repetições no nível "batendo recorde do Guiness Book".
Assim que termino de proferir o último fonema da advertência acontece aquilo!
Um oriental, que estava correndo junto a Arthur, brincando com ele de um pique-pega apavorante, usando uma mochila maior que seu corpinho de 3 anos, este menino resolve cuspir no laguinho artificial. Com os dois bracinhos jogados para trás em busca de equilíbrio, ele inclina o corpinho para a frente, vê o reflexo de seus lábios cuspindo na superfície do lago e, antes que até mesmo um pato consiga dizer "quém", cai de cara na água. Arthur continua correndo e pulando. A mãe da criança está em outro mundo, de costas para a cena, assistindo ao show de jazz que acontecia. Então, vendo o oriental ainda submerso naquela poça de concreto com pouco mais de dois palmos de profundidade, consigo me certificar de que Arthur não será o próximo a beber um drinque de cocô de pato e resgato o pequeno rapaz. Nos segundos que levei até alcançar o lugar onde ele caiu de cara na água, o menino conseguiu, sabe-se lá como, dar uma espécie de cambalhota e ficar de pé no lago. Por isso, quando chego, tudo o que faço é içar o garoto, ensopado e coberto de excrementos de pato, colocando-o de novo no calçamento de pedras. A mãe ainda está assistindo ao show, então fico com ele, olho para ter certeza de que está bem, sem cortes, machucados ou qualquer outro problema evidente. Ele parece bem. E só quando a mãe olha, finalmente, é quando ele começa a chorar. Assustado, provavelmente com frio. A mãe o conforta, o leva embora.
Sou parabenizada pela pequena multidão que estava acompanhando o show e viu tudo o que aconteceu.
Pego Arthur pela mão. Ele gargalha. Ri muito do oriental que mergulhou no laguinho. Se diverte de verdade. Eu sei que empatia não é o forte de crianças novinhas, mas como é de pequeno que se torce o pepino, tento falar que o menino chorou, que a gente não pode rir, mas não consigo, porque estou gargalhando junto com meu filho. Recebendo parabéns pelo resgate de pessoas que também gargalham. Indo contar, com o riso frouxo, a história para outros que assistiam de longe, e que também gargalham.
E assim, queridxs leitorxs, resgatei o oriental às gargalhadas - espero que uma ação neutralize a outra e eu fique com o karma zerado - e agora tenho um filho que não pode ouvir falar em cocô de pato sem ter um acesso de riso incontrolável.

segunda-feira, 1 de agosto de 2016

O nosso lindo balão azul

Rio de Janeiro. Fim dos anos 1980.
Dentro do carro lotado, crianças amontoadas nos colos dos adultos - época em que cinto de segurança servia para a gente tropeçar quando entrava no banco de trás por uma das duas únicas portas existentes (carro de 4 portas era luxo! Eu me lembro que meu carro favorito era um Monza 4 portas. Achava lindo, achava chique, achava moderno) -, meu primo, que devia ter uns 3 ou 4 anos, chorava. E reclamava. E dizia, incessantemente "eu quero o meu nariiiiiiz".
O nariz em questão era uma lembrancinha da festa de onde acabáramos de sair. Um nariz de palhaço, daqueles de plástico. E ele, exausto, cheio de sono, inconformado porque o nariz estava guardado, passou o trajeto inteiro lamentando sua tristeza.

Chicago. 2016.
Entramos no Uber 4 portas e Arthur, depois de dar boa-noite ao motorista, pergunta "cadê o meu balão azul?".
O balão azul em questão era, de fato, um balão azul. Tínhamos acabado de sair de um aniversário na casa de uns amigos e o balão, no meio do processo não-quero-ir-para-casa-buáááá, ficou para trás. Entramos no carro com mochila, saco de papel recheado de gostosuras e Arthur. Nada de balão. Arthur, quase trinta anos depois do meu primo, foi fazendo uma nova edição do "eu quero o meu nariz" ao longo de toooooodo o trajeto. Cochilava, acordava, pedia o balão. Chorava, se acalmava, dormia. Acordava, chorava, queria o balão azul. Soluçava, relaxava e dormia. Trinta quilômetros e um engarrafamento do Lollapalooza depois, chegamos em casa com ele, enfim, sem som e sem imagem.
Colocamos o rapaz na cama, certos de que, depois de um dia imenso e exaustivo, Arthur dormiria pesado até meio-dia do dia seguinte e fomos nos deitar também.
Uma da manhã ele acorda chorando. Eu quero o balão azul.
Negociamos, conversamos, ponderamos e fazemos um acordo: quando o sol chegar, vamos comprar um lindo balão azul. Ele dorme, nós dormimos, até que, duas e meia da manhã, ouço um choro sentido e a indefectível frase "eu quero o meu balão azul!". Olha, cuidado mesmo com o que vocês fazem com a filharada por aí, porque essa coisa de inconsciente é real e incansável. Das profundezas do império do sono vem o desejo sublimado e, aí, salve-se quem puder, meu povo!
A essa altura, mais nada adiantava: nem conversa, nem promessa, nem abraço. Nada!
Até que marido (já disse que ele é gênio?) pega o telefone no meio da madrugada e anuncia: vou ligar para a Letícia! Arthur para de chorar, pisca os olhinhos molhados, dá três soluços para recuperar o fôlego e para, enfim, de repetir seu mote das últimas três horas e meia. Presta atenção. Marido faz o teatro completo, digno de Oscar: disca, coloca o celular na orelha, conversa, com direito a pausas dramáticas e muita função fática. Combina com Letícia que ela vai guardar o balão e que amanhã iremos todos buscá-lo. Claro, obrigada, beijos, até amanhã.
Arthur pisca os olhinhos sonados, suspira e, então, aceita. Dormimos todos, pegando carona nessa cauda de cometa que, a julgar pela reedição dos anos 1980, deve ser o Halley.