sexta-feira, 29 de março de 2013

Rumo a Pollock

Pronto. É isso. Sem delongas: quero parir de novo.
Não é a hora, claro. Arthur é petitico, eu estou falida e sonâmbula, a vida anda meio no improviso ultimamente. Mas eu quero tanto parir de novo!
Daí, fiquei matutando umas coisas aqui na cachola. Claro que nada presta, mas vou partilhar mesmo assim, porque, se não, do que adianta devanear assim, né?

Um parto tem quatro fases: a latente, a ativa, a transição e o expulsivo.
Mas um parto não é só um evento fisiológico. É também um acontecimento psicológico e social. E por isso, não se esgota em si mesmo, e faz com que a vida se reorganize radicalmente depois que é concluído. Assim, tão importante quanto o momento em si, a equipe, o desenrolar do processo, contrações, puxos e eteceteras é a imagem, a memória, a vivência que você guarda do parto. Isso é muito importante. Diria até determinante para diversos aspectos da relação que você vai construir com o serzinho que acabou de nascer.
E assim como o evento fisiológico tem etapas, também o lado psicossocial se apresenta múltiplo.
Logo depois que pari (logo depois mesmo: ainda no hospital, ou seja, menos de 22 horas depois que pari meu filho), pensei: mas que é nunca que eu vou emprenhar de novo! Jamais passarei por essas dores terríveis novamente! Foi bacana, claro. Foi como eu queria, também. Foi saudável, perfeito, poderoso e natural, mas doeu mais que tudo na minha vida: dor de dente, cólica, apendicite, tudo fichinha perto das contrações que arrancaram Arthur daqui no bucho.
Foi forte. Doído. E tão intenso que eu não conseguia sequer processar a informação, o que me fazia negar veementemente a possibilidade de ter vontade de repetir a dose.
Daí fiz aquele relato-verdade, sem fricotes, sem nhenhenhém. Que mané "ai, meu filhinho lindo, que emoção, vou chorar!" o quê?! Era profundo, animalesco: saaaaai que o corpo é meu e você é meu, minha vida fora de mim. Não foi delicado. Nem suave. Caravaggio.
"Amor vincit omnia", Caravaggio, 1602 c.
(Em tradução livre: "O amor vence tudo". Bem apropriado, não?
Imagem daqui.

Mas o tempo passou. Escrevi outros relatos, quis retocar aquele. Lembrei de acontecimentos e falas, organizei memórias, perguntei coisas a quem esteve comigo, revivi sob diferentes ângulos. E de tanto reproduzir a história, as palavras se gastaram, ficaram mais redondas, mais lisas, mais esmaecidas. Agora, o parto é doce. Vem fácil, traz consigo um meninho que eu já conheço e amo, mostra meu melhor lado e oferece um tépido e envolvente abraço, dentro do qual cabem emoções já processadas, mas ainda pulsantes e vivas. Um lugar que visito e, admirada, vejo cada potencialidade minha: um antropocêntrico visitando os trópicos. Sai o drama e entra le rêve. Gauguin.

"Montagnes tahitiennes", Gauguin, 1893.
Daqui.


Cada vez mais distante, a experiência do parto deixa morrer o reles, deixa diminuir o contraste entre o vivido e pensado. Os tons são outros, quase tristes, delicados, que se refazem e são revisitados em muitos momentos, vistos sob novos ângulos e luzes: ele sorriu, lembra de quando ele nasceu?, quem falou aquilo mesmo?, a cor da camisola era branca ou verde? O que fica é sólido, robusto, leviatã (que já inveja recém-paridas). Mas tudo é mais impressão, sensação e intuição. Monet.
"Rouen Cathedral, Full Sunlight", Monet, 1894.
Daqui.

Até que, enfim, vem Polock: amorfo, urgente, agressivo, uma energia que não se pode conter ou abrandar, e que comunica apenas a necessidade de se repetir o processo, de reabrir feridas e paixões. Radicalizar. Usar tudo o que estiver disponível para reviver emoções indizíveis e inalcançáveis. Chega a hora de um novo parto se construir. Rebelde. Sobrepondo imagens. Brutal.
"Number 5", Pollock, 1948.
Daqui.
Eu acho que estou entre Gauguin e Monet. E vocês, onde estão?

domingo, 24 de março de 2013

Tchaaaaauuuuu

Arthur geralmente volta arrasado da creche. É o tempo de chegarmos em casa para ele capotar. Mas, às vezes, ele tira uma sonequinha lá pelas 17 ou 18h e consegue segurar as pontas por mais um tempo. Emtão, conseguimos, nesses dias, dar uma passadinha no mercado antes de irmos para casa.
Pois bem, um belo dia estávamos nesse mercadinho pós-creche. Arthur e seu sling, como sempre, atraindo olhares de ternura bem como os de desaprovação (nesse dia, confesso, mais ternura e derretimento). E aí, na fila da seção de frios, foi aquela comoção: "ah, que lindo", "oh, que gracinha!", "ai, que coisinha mais gostosa!", "ohhhh, está dando tchau para mim!".
O QUÊÊÊÊ????? Ele está dando tchau????!!!
Sim, meu povo: o primeiro tchauzinho que Arthur deu em minha presença foi para uma ilustre desconhecida (que pelo menos o elogiava quando ele acenou).
Bom, tirando a depressão de "oh, meu filho aprendeu a dar tchau e eu perdi isso porque ele estava na creche", fiquei felicíssima e resolvi abusar da nova gracinha do filhote. Passei e resto do tempo no mercado pedindo "dá tchau, filho!". E ele, é claro, nada! Nem aí para mim.
Então terminamos as compras, pagamos, pegamos sacolas e fomos embora. E, no meio da rua, com algum delay, meu bebê-delícia danou a dar tchau. Para tudo e para todos. Acenos correspondidos ou não. E chegou em casa dando tchau para os porteiros e para os vizinhos.
***
E hoje, depois de mais de dois anos por aqui, depois de um casamento e um parto, festinhas, mil e um causos, estamos dando tchau, pela última vez, para os porteiros e vizinhos.
Estamos nos mudando. E não é sem nostalgia e já uma pontinha de saudade que nos despedimos. Foi tudo tão gostoso aqui, no nosso apartamento com cara de casa e rede na varanda. Mas é hora de seguir em frente, semendo boas sementes e torcendo por uma colheita.
Arthur ainda se despedirá de muitas coisas nessa vida: boas e más. E fico muito, muito feliz que ele tenha podido aprender esse ensinamento tão valioso (saber deixar partir, praticar o desapego e conhecer a efemiridade das coisas) de maneira leve, lúdica e amorosa.
Que consigamos, ainda por muito tempo, dar valor ao que realmente fica e deixar ir o que precisa ser livre. Mesmo que doa a saudade.


sábado, 23 de março de 2013

Dos cansaços

No meu chá de bebê, ainda 26 dias antes do nascimento do Arthur, eu estava mal: cansada, pesada, com muita falta de ar e de saco cheio de estar grávida (e trabalhando fora). Daí, as pessoas comentavam como eu estava linda, magra, parecendo estar muito bem, saudável, feliz, e virava e mexia alguém me perguntava com real interesse como eu me sentia.
E eu me sentia assim, como acabei de contar.
Então, conversando com o marido da minha tia (que tem com ela uma filha de 5 anos), ele falou: aproveite enquanto ele está na barriga, porque depois é que você vai ver o que é cansaço.
Arthur nasceu, mamou de hora em hora, depois queria colinho 24h por dia, aprendeu a rolar, a se sentar sozinho, a se levantar sozinho na cama, a engatinhar, a subir nas coisas e, agora, a caminhar com apoio.
Eu, do meu lado, acordo cedíssimo, trabalho pesado, chego em casa tenho casa, marido, filho e frila para me entreter até altas da madrugada.
Estou bem cansada.
Exausta até, diria.
(Em breve venho contar, espero, o motivo a mais de tamanha exaustão.)
E aí eu me lembro das palavras do marido da minha tia. E aí eu olho para o lado, vejo o sorriso do meu filho no meio do sono. E aí eu penso que não é possível comparar, em nenhum nível, as experiências de se ter um bebê na barriga e se ter um bebê nos braços. E também penso que ser dona novamente de todas as minhas hemácias, senhora de minha ferritina, egoisticamente única usuária do meu sistema circulatório, sem placenta, feto ou outras adjacências gravídicas para me roubar o ar, a disposição, a agilidade de movimentos, o equilíbrio e a (má) postura bípede é realmente muito melhor. E que por mais que a gravidez seja um momento lindo, que a minha experiência tenha sido num esbanjamento de saúde e que seja um importante rito de passagem (social e pessoal), não há comparação: ter um bebê do lado de fora é infinitamente melhor.
Sentir seu cheiro, o toque suave de sua pele, saber seus sons, seus risos, conhecer sua personalidade e caras engraçadas é incrível, indescritível.
E aí eu me lembro daquele domingo de maio, entre amigos queridos e familiares. Penso na conversa com o marido da minha tia e concluo: ter Arthur do lado de fora é infinitamente melhor que ter estado grávida dele. Sobretudo por causa da maldita falta de ar que eu sentia desde as vinte e pouquinhas semanas. Mas aí eu percebo que, em termos de falta de ar, não ando lá muito melhor com ele aqui fora: basta vê-lo sorrir ou chorar, crescer e se desenvolver para que, mesmo senhora das minhas fisiologias todas, eu saiba que para sempre minha circulação foi alterada: vai ali naquele menino antes de voltar para mim tudo o que existe dentro de mim.

(E ainda me perguntam por que quero ter outro filho.)

segunda-feira, 18 de março de 2013

Posso contar?

Tô felizona que a Dona Júlia fez nascer o Biel, num parto lindo, no tempo deles. E estou doida para saber os detalhes!
Parabéns, querida!
Muita paz, saúde e iluminação nessa nova família que vocês fizeram crescer!
(E espero que ela não fique chateada porque eu contei aqui.)

quinta-feira, 14 de março de 2013

O natural do Rio é o batidão

A playboyzada e os mano do morrão estão todos com pena de mim! CERTEZA!
Ai de mim, que estou enlouquecida ao cubo com tanta coisa acontecendo ao mesmo tempo agora tudo de uma vez sem parar. Tá rodis, minha gente! Outro dia pensei: quando escovei os dentes pela última vez? E corri para o banheiro que era para ver se eu ainda me lembrava de como fazia.
É que eu acordo na madrugada boladona (vai, seis da matina, para mim - e outras pessoas normais -, ainda é madrugada) porque Arthur é adepto do horário de verão. E daí que tá chegando o outono? Ele curte mesmo essa coisa de abrir os olhos, bater aqueles cílios enoooormes que ele tem, abrir um sorrisão e se sentar feliz da vida: às seis da matina!
Bom, aí eu acordo, né? Quem resiste ao sorriso do bebê-delícia (que está de volta, meu povo! Grata pela reza forte de vocês)? E também é preciso trocar fralda, tocar vida e ir passar o café do marido, um gesto de amor, de carinho... de puro interesse (daí ele acorda e me ajuda com o bacuri).
Acordados os três, marido vai tocar a vida dele e eu fico com o pequeno, brincando na sala, ouvindo música, e nos intervalos dos afazeres do marido vou tomando café da manhã, arrumando mochila para a creche, pensando na roupa que vou botar, preparando a bolsa da bombinha, essas coisas.
Então, às oito horas estamos os três prontos. Arthur para creche, eu para o trabalho e marido para os afazeres dele.
Trabalho até criar calo nos olhos, daí saio para almoçar (com o frila debaixo do braço, porque, claro, não dava para ser fácil), volto e trabalho até não conseguir nem pronunciar meu nome. Chacoalho dentro de um ônibus sem ar-condicionado (alôôôuuu, onde estarão os ônibus - um caso de pluralia tanta tão bacana - fresquinhos? Migram no verão e só dão as caras no inverno? Acho que sim...), cheia de tralha e bolsa a tiracolo, corro para a creche ou para casa (depende do dia). Espeto o menino no peito tão logo adentro meu lar e assim ele dorme, me dando a chance de comer, frilar mais um bocado e desmaiar.
Viu? Será que eu escovei os dentes? Notou que banho não é rotina? Também não tem TV, internet e livro neste relato.
E aí eu pergunto: que horas entro no meu blog? Quem é o novo papa? Que história é essa de Comissão de Direitos Humanos? Sei de trechos de cada notícia bombástica do dia, e nem para perguntar às pessoas ao meu redor sobra tempo.
Com esse longo lamento, venho aqui dizer duas coisas: 1) vou voltar a postar, com parcimônia, mas voltarei; 2) é nóis com muita disciplina/ dábliu, dábliu, dábliu ponto-com brasília.

segunda-feira, 4 de março de 2013

Pollyanna na Páscoa

Arthur tem APLV, como vocês sabem.
Arthur me obriga a manter uma dieta rigorosa, na qual me privo de coisas de que gosto muitíssimo.
Arthur está experimentando novos alimentos (sopinhas, frutinhas, suquinhos, ontem de manhã rolou até um pedaço de pão francês).
A Páscoa está chegando e...

...graças à APLV Arthur não poderá nem chegar perto de chocolates.
Que alegria mantê-lo por mais um tempo sem experimentar besteiras! E nem precisar dar aquela de antipática neurótica. Basta proferir as palavrinhas mágicas: ele tem alergia à leite de vaca. Que peninha, né?!
;-)

domingo, 3 de março de 2013

Profissão: bebê

Arthur nasceu ativista político pró-humanização do parto. Além de ter escolhido nascer justo no dia da passeata pela humanização do parto que teve aqui no Rio, nasceu de mãe e com equipe defensoras da causa. Ele também já nasceu cantor de ópera, com um choro no estilo dó de peito que fez o vizinho da frente, músico profissional, professor universitário, comentar "chora forte, né?".
Depois, um pouco mais crescido, quis ser o novo beijoqueiro do novo Maracanã: fazia bicos e mais bicos, quase por 24 horas. Ou então, pensou em ser atleta olímpico na modalidade arremesso. Como não tinha nada em sua mão que estivesse disponível para treinar, arremessava mesmo era o xixi, assim que abríamos a fralda.
Também quis ser cabeleireiro (agarrando os cabelos que dessem sopa), feirante (só entrar no sling e ele berrava "ahhhhhh" durante todo o trajeto), bailarino (fazia poses e mais poses), contorcionista (queria mamar de bruços), carrasco (mordendo e beliscando o mamilo da mamãe e depois dando uma risadinha sádica), faxineiro (limpando a casa quando encontrava uma sujeirinha no chão, usando os dedinhos em pinça para recolher o microobjeto e examiná-lo), espeleólogo (tentando se enfiar em buracos escuros), contador ou arquivista (revirando nosso arquivo de contas), acadêmico (rasgando o livro que estávamos lendo), operador de caixa (querendo digitar minha senha na maquininha do cartão), Don Juan (sorrindo para todas as mulheres do caminho), político (tentando convencer-nos de seu ponto de vista só na lábia, quero dizer, no lábio: seja chorando ou sorrindo), engenheiro eletriscista (mexendo em todos os fios da casa e tentando enfiar o dedo nos buracos das tomadas), e tantas outras possibilidades que mal consigo me lembrar.
O fato, porém, é que adulto não pode ver uma criança ou bebê fazendo uma coisa que logo quer tascar um rótulo bem rotuladinho: "ih, esse aí vai ser _______ porque faz _______."
Só que não, né, gente?
Arthur é um bebê, e seus gestos e atos não têm a ver com suas aptidões ou habilidades. Tudo nele evolui e involui numa velocidade impressionante. E quando ele crescer mais um pouco, terá na infância o espaço de experimentação tão fundamental para seu desenvolvimento e para o processo de construção de sua auto-imagem.
Agora, se eu fosse dar um palpite (e ignorar tudo isso que acabei de falar), acho que a grande potencialidade de Arthur é a coisa mais incrível e sem limites que um ser humano pode vivenciar: meu filho tem grande vocação para a felicidade (a própria e a que nos desperta) e para ser livre para experimentar!
E que assim seja!