quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Me lixando

Nesses tempos de Facebook a gente fica sabendo demais da vida alheia. Para além das pesquisas que dizem que redes sociais geram ansiedade e frustração, posto que há sempre uma comparação com o quintal do vizinho, existe a intimidade forçada: saber de cada passo de pessoas que, não fossem tais sites, você jamais saberia o que andam fazendo.
Pois essa semana uma conhecida terminou com o namorado. A dor de cotovelo foi pública e publicada em verso, prosa e quadrinhos. Quadrinhos? É, quadrinhos.
Ela ficou desgostosa com o cara, mas parece que com a vida também, e resgatou a coisa toda árcade: carpe diem, fugere urbem (no caso, amorem ou laborem). Hedonismos à parte, não quero falar da vida da moça, nem de latim, nem de movimentos estilísticos do passado.
Eu quero falar da lixa. Quero falar que venho me lixando.
É. Me lixando. Assim, na próclise brasileira.
Morei uns tempos em Portugal e lá aprendi umas coisitas: a fazer diminutivos com o sufixo -ita, a usar os pronomes em posição final porque tentava repetir o sotaque e que existem várias palavras que são uma coisa no Brasil, mas outra coisa lá, e também aquelas que são só no Brasil, ou só lá.
Tipo durex. Não digam isso alto em território lusitano: é marca de camisinha e virou sinônimo (metáfora, aos que assim preferirem) para preservativos. Também não peçam isopor, que é marca. Lá, ele é conhecido por esferovite, que é o nome de batismo da coisa. Se alguém disser que você gaja, é muito gira e bué da fixe, agradeça: você é moça bonita e legal.
Então, se alguém mandar esta tirinha do Calvin para você, por favor não interprete ao pé da letra, como fez minha conhecida acima citada. O lixar aí nada tem a ver com o acabamento polido dado com objeto abrasivo; significa, na coloquialidade portuguesa, deixar alguém em situação complicada ou chatear uma pobre alma.


Ri, confesso, da confusão semântica. Mas pensando bem, em português brasileiro a tirinha fica tão mais interessante!
Quando nascemos, somos unos, inteiros, indivisíveis. Os princípios básicos estão todos lá, inatos e perfeitos, cada qual ocupando um espaço equilibrado. Conforme vamos crescendo, as coisas em nós ganham novas dimensões e proporções. Desenvolvemos mais determinadas características que outras, interrompemos o crescimento de certos aspectos de nossa personalidade e/ou habilidade, nos transformamos, enfim, nos adultos que somos: irregulares, pontiagudos, repletos de arestas, dores, calos, imperfeições que, ao longo do tempo, ficam mais e mais acentuadas e visíveis.
E então nos chegam os filhos.
Seres unos, indivisíveis, inteiros, ainda sem arestas ou acentuadas maneiras. Tudo é flexível, adaptável, moldável e... NOVO. E se você experimenta pela primeira vez uma dor, pode até sentir-se surpreso e admirado, mas nunca vai resgatar sua experiência prévia, porque ela inexiste. Com isso, a vida é mais leve. As dores ainda não se imbricam e misturam: você sente o que precisa sentir e segue em frente. Sem ressentimentos, rememorações, associações intensas.
E é aí que entra a lixa.
Nossos filhos são a abrasividade polidora de nossas vidas, aparando várias de nossas arestas, tornando pontas mais rombudas e suaves, reduzindo irregularidades drásticas e, sobretudo, nos permitindo ter uma nova compreensão do ser humano. Um ser que desenvolve inúmeras habilidades ao longo da vida, mas que insiste em se frustrar e cobrar por aquilo que não tem ou faz. Arthur, meu pequeno abrasor, por exemplo, entre outras coisas, mostra para mim que o desenvolvimento de habilidades linguísticas exige tempo, que a coordenação motora se aperfeiçoa, que o importante é usar de toda sua potencialidade, diariamente, para ser feliz naquele dia que se está vivendo. Sem planos complexos, projeções imensas ou ressentimentos intensos. A pura alegria de se descobrir e se sentir o que se vive.
Lindo, né? Mas dói. Lixar, esfoliar, desgastar a superfície encruada do hábito é penoso, dolorido e exige força de vontade. Tem gente que não deixa os filhos serem abrasivos: tolhem-lhes os movimentos de lixa, e enquadram logo em modos e maneiras necessárias (?) para se viver socialmente. Não os julgo, porque às vezes não deixo que me esfreguem as feridas, que me cutuquem os calos. Ninguém se deixa ser lixado o tempo todo. Mas acho importante manter isso de lixar em mente e permitir que Arthur me mostre onde preciso suavizar e amenizar. Ele também mostra onde eu preciso deixar calejar e endurecer. Nada é inteiramente bom ou ruim: precisamos de nossas crostas assim como precisamos de nossas maciezes. E essa é coisa linda (uma das) de se ter filhos: a chance de resgatar o equilíbrio e a necessidade de se desenvolver a capacidade de ponderar o que é importante, como é importante e quando é importante.
Filhos, abrasam, lixam, esfolam, esfregam, exigem de nós superfícies mais suaves para eles, e nos deixam, afinal, mais suaves para nós mesmo.
E assim, vou me lixando. Ou melhor, Arthur vai me lixando. Não ao modo português, mas ao brasileiro, que, embora aparentemente muito mais literal, na verdade mostrou-se muito mais literário.

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Esquilo adaptado

Existe um mundo fora da blogosfera materna. Quero dizer, existe gente de verdade por trás dos blogues que lemos, e algumas pessoas que vêm me visitar, embora eu seja "anônima", me conhecem pessoalmente.
Mas sabe o que eu acho legalzão? É conhecer gente bacana através do blog!
Foi assim com a Helen.
Eu e a Júlia somos amigas fora do mundo virtual. Uma amizade bacana, muito especial para mim, porque temos diversas conexões em diferentes campos da vida (e em diferentes momentos da vida). Como uma mensagem que diz: ei, vocês duas PRECISAM estar juntas. E assim foi. Temos um amigo em comum, estudamos no mesmo lugar, ela me indicou a juíza de paz que celebrou meu casamento, eu indiquei a ela a médica que esteve com ela no nascimento do Biel, e o ensaio da nova família foi feito pela minha amiga de infância, Aline.
<3
Bom, aí quando eu disse que vinha morar aqui, em Evanston, Júlia falou: "já escutei esse nome antes. Espera um segundo!" E catou na internet o blog de uma moça que morava por aqui. Colocou a gente em contato, avisou que ela era super legal e assim eu conheci a Helen. Uma pessoa muito especial, indicada por outra pessoa muito especial. Sortuda que sou!
Bom, hoje fomos passear: eu, Arthur, Helen e cub.
Foi ótimo. Estava precisando, sabem?
E aí, no meio do passeio, no meio do parquinho, Arthur aponta para um esquilinho. Ah, que fofo! Um esquilo. O blog dela é "Esquilo adaptado". E...

- Helen, aquilo na boca do esquilo... é uma pizza???!!
- Acho que não. Deve ser um pedacinho de madeir... Não. É mesmo uma pizza!

Bom, isso que eu chamo de esquilo adaptado: na falta de nozes, meia portuguesa-meia calabresa.
Diz se o destino não é um fanfarrão?

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Primeira consulta médica

Um lado meu bem safado queria omitir a referência a Fernando Sabino e sua crônica do nariz entupido em Bruxelas. Mas meu lado honesto e certinho ocupa mais espaço. Droga! Porque o conto é sensacional e até hoje me faz rir. Daí, o que resta a mim e meus companheiros de viagem? Militar na conversa com a médica.
Querem ver?

A clínica é bonita. Novíssima. Cheguei no dia da inauguração (sorte minha, vocês já vão ver por quê). Fui resolver um pepino, mas aproveitei para solicitar uma consulta médica para o pequeno, já que desde que saímos do Brasil ele não passava por um exame. O dia estava frio, nublado, clínica recém-inaugurada, muita gente ainda pregando espelho na parede, encerando chão, aplicando revestimento na laminação da madeira, essas coisas que o destino nos dá de presente de vez em quando e que permitem que a gente receba a pergunta: "quer ser atendida hoje, agora?"
Opa! Claro!
Sentei-me, respondi um formulário gigantesco, que de tão grande, completo e complexo, não acharia estranho se perguntassem para qual time a gente torce, qual era a cor da minha calcinha ou com quantos paus se faz uma canoa. Bom, eu disse que eu me sentei para responder a esse interrogatório? Sentei-me nada! Fiquei correndo atrás do Arthur, prancheta em riste: casos de reumatismo na família? Hum, aquele tio-avó da minha prima era reumatismo ou... Arthur, desce daí! Diabetes tipo 2? Acho que sim, mas... Arthur, volta aqui, não corre para o estacionamento.
Coisa delícia, coisa simples, coisa que acontece diariamente.
Daí que essa coisa de corre-escreve-pensa-traduz-lembra-fala-para-o-moleque-descer-da-cadeira-mostra-passaporte levou uns bons quarenta minutos. E eu já estava por ali, na clínica, resolvendo a tal pendência anterior, há mais de duas horas. Então, a manhã já se encaminhava para seu fim quando terminei a avaliação prévia e fui chamada para ser atendida.
A enfermeira mediu temperatura, pesou, mediu e aumentou o aquecimento da sala, já que Arthur estava só de fraldinha, esperando a médica.
Que veio logo atrás de sua barriga: 39 semanas. Mas parecia bem, sabem? Eu fui uma grávida de 39 semanas digna de piedade, com minha falta de ar e barriga imensamente pesada. Mal me aguentava de pé. Mas a Dra. Rebecca estava graciosa em seu vestido vermelho de cintura imperial, jaqueta jeans e fita domando o cabelo cacheado. Bonita. Sem falta de ar.
Sorriu e perguntou: o que lhe traz aqui?
Assim, na lata.
Em inglês.
Por ter apenas obedecido às ordens da enfermeira que veio primeiro, e por ter passado uns cinco minutos na sala de exames tentando domar a ferinha só de fralda que tentava apertar todos os botões ali existentes, nem me lembrava mais de que teria que expor, em inglês, o que me afligia em relação a meu filho. Sem contar a anamnese feita na língua de Shakespeare! Como responder até mesmo o trivial, tipo peso? Sei lá a conversão entre quilos e libras de cabeça! Deveria ter me preparado.
Mas não me preparei. Fiquei correndo atrás do filhote de prancheta na mão, bolsa no ombro e passaporte no bolso. E, além disso, quem poderia imaginar ir resolver pendência burocrática e acabar de frente com uma médica grávida que lhe pergunta sem preâmbulos: o que lhe traz aqui?
Eu, que li o conto sabinesco trocentas vezes, me aferrei ao fato de que, na área biomédica, muitos termos são equivalentes em português e inglês porque, afinal, vêm do latim. Puxei na memória o latim tosco que tenho (cof, cof, cof!), caprichei no sotaque e fui. Até porque já estava na hora do almoço, Arthur e eu ficando com fome, e eu queria ir para casa logo.
Deixei a coisa fluir. Vacina. Peso. Altura. Angústias. Sonhos. Necessidades. Desejos. Até que me saí bem, sobretudo se considerarmos o meu nível de latim (amor, amore, amoribus).
Mas então aconteceu.
A médica, grávida de 39 semanas, perguntou se eu ainda amamentava. E se eu fazia cama compartilhada.
Sugeriu o desmame noturno. Questionei. Ela perguntou se eu estava feliz assim, acordando até 4 vezes na madrugada boladona. Sim, estou. Cansada, mas feliz. Ela disse, ok, então continue, e emendou, em algum momento da consulta, que mamar a toda hora parecia um "estilo de vida para ele" e que ele claramente me fazia de chupeta. Que faça! É assim que estamos felizes, principalmente em meio a todas as grandes mudanças por que passamos.
Veio então a cama compartilhada. Ela veio com o discurso ensaiado e eu só respondi: conheço os riscos. Ela foi bacana, não insistiu muito, apenas sugeriu graciosamente que colocássemos o colchão no chão. Já está, respondi. Está no chão porque perdemos uma trave de metal que sustenta o estrado, pensei. E nossa cama do colchão vagabundo está aqui, no chão, semi-montada, compartilhada por toda a família.
Ela também quis saber dos dentes, da alimentação, das vacinas (quis muito saber das vacinas) e do desenvolvimento. Respondi, crente que estava abafando. Até que a consulta, longa, minuciosa, já entrando tarde adentro, encaminhou-se para o fim. Arthur já dormindo atrelado ao peito, só de fraldinha (e lá fora fazendo 7 graus). Perguntou se eu tinha mais alguma dúvida. Tinha. Como explicar que tenho medo de Arthur fazer fimose? Bom, usei o método confuso de explicação, com gestos, palavras que não eram exatas para a situação, mas que funcionavam lindamente na metáfora e arrisquei: segurei na mão de Fernando Sabino e mandei o meu "limpar o esmegma". O rosto dela se iluminou: sim, sim, sim! Esmegma. Ela conhecia a palavra, entendeu toda minha encenação anterior e falou uma porção de coisas sobre o assunto. Compreendi metade, a outra metade começou a ficar confusa, perdida entre apitos e estrelinhas brilhantes e, por fim, eu compreendi. Não o que ela disse, mas que eu não estava entendendo patavinas do esmegma e da fimose porque eu estava... tchanã... desmaiando de fome.
Pausa dramática.
EU. ESTAVA. DESMAIANDO. DE. FOME.
Fazer o quê? A única coisa que me restava: olha, Dra. Rebecca, negócio é o seguinte. Quando fico muito tempo sem comer, e eu não esperava ter esta consulta, ser atendida tão rapidamente, eu desmaio. E é o que estou fazendo bem agora. Por acaso, assim, de repente, vocês teriam uma cafeteria, lanchonete ou mesmo máquina de refrigerante por aqui? Não, não tinha. Mas era meu dia de sorte, lembram? Inauguração da clínica. Havia um convescote na sala de reuniões. Bagels, batatinhas fritas, bolinhos, muffins. Um mundo de leite e manteiga para arruinar minha dieta APLV. Mas que remédio? Desmaiar a dez quadras de casa com um bebê de dezesseis meses no colo? Ganhei, feito mendiga, um bagel de alho, um muffin de mirtilo e um saco de batatinhas fritas. Arthur dormiu, tasquei no carrinho, e fui arrastando tudo: carrinho, Arthur, minha dignidade ferida e o bagel, que rolou no meio do estacionamento quando eu fui segurar a receita médica que o vento tentou levar.
Segurei a receita. Lamentei o bagel agora esmigalhado por uma roda. E li.
Phimosis.
Fimosis, minha gente!
É Fernando Sabino, mirei no esmegma, acertei na fimose, e voltei para casa com a certeza de que, na literatura, nada se perde, e muito me diverte.

sábado, 2 de novembro de 2013

Primeiro Halloween

Vocês, que me acompanham, sabem que eu não faço muito o estilo "querido diário", né? Geralmente faço um texto gaiato ou drama queen das coisas que me acontecem e vamos que vamos. Mas hoje eu vou fazer diferente. É que meu pequeno teve seu primeiro Halloween, e isso foi tão importante que merece nota.
Mas, já que vamos fazer, que façamos direito: deixem-me começar de novo o post.


Querido diário,

ontem foi Halloween aqui nos Estados Unidos. Nunca curti muito a data, non creo en las brujas (pero que las hay, las hay) e achava essa coisa toda meio estranha, porque carnaval era tão mais interessante em termos de fantasia, e logo depois vinha finados, que no Brasil é uma data tristonha, melancólica, então achava a coisa meio fora do eixo, meio desesperada. Mas eu não estou mais no Brasil, né, Di? Tô aqui, no Tio Sam halloweenesco, cheia dos frios e dos R retroflexos para tentar me comunicar, cheia do espírito de imigrante-vamos-nos-integrar-à-comunidade, essas coisas todas. E cheia dos hormônios de amamentação também. Porque, né, a ocitocina ajuda. O quê, Di? Não entendeu a conexão entre ocitocina e Halloween? Pô, Di, eu comprei um raio de uma fantasia de raposa para o Arthur! RAPOSA! Laranjinha, com rabo e enchimento na barriga! E Arthur, que já é a coisa mais fofa e deliciosa do universo todinho, ficou dolorosamente divino! Tudo bem que ele não curtiu muito o capuz que fazia a cara da raposa, mas durante o passeio, incomodado pelo frio e pela chuva (sim, choveu, como sempre acontece no dia dos mortos... uma tradição brasileira que talvez tenhamos importado), ele deixou ficar aquela cara de raposa, e não houve uma única pessoa que não tivesse elogiado a criatura!
Bom, mas deixa eu voltar aqui pro começo, antes de contar como foi.
Eu comprei a fantasia, espetei a criança lá dentro e, culpa da ocitocina, fiquei louca! Tirei 312 fotos (literalmente), suspirei, pirei e... broxei. Olhei para fora e a garoa fina da manhã virara chuva de verdade. Aqui, Di, o Halloween é tipo Carnaval no Brasil: tem anúncio de início e término (mas não dura uma semana; e se durasse, acho que eu infartava com tanta fofura!), e ao contrário do que mostram os filmes, não acontece de noitão. Porque é uma festa principalmente das crianças, é preciso se pensar na segurança, e a cidade onde moro decretou o horário oficial das 16 às 19h. E às 16h30, chovia canivete (ou gatos e cachorros, para gracejar com o idioma que agora speakamos). Deprimi. Mas aí comecei a ver a criançada nas ruas, todo mundo fantasiado, e pensei: "pô, primeiro Halloween do pequeno, e eu aqui no maior bode. Vou colocar isso no livrinho dele? 'Filhinho, no seu primeiro Halloween você e sua mãe ficaram dentro de casa, vendo a chuva, assistindo as crianças brincarem. Mas, ó, tirei baciada de fotos!' Eu não! Sapequei o moleque dentro do carregador de bebês (achei que seria mais prático, apesar de o carrinho ter capa de chuva), atochei o capuz de raposa, máquina de um lado, bolsa do outro, e bora enfiar a cara nessa de mergulhar na cultura. Ou melhor, bora pular de bomba nesse mergulho.
Nossa rua é bem residencial. Aliás, nossa vizinhança toda. E por isso fomos dar uma volta no quarteirão. Arthur ficou todo feliz, porque rua é com ele mesmo! E quando viu as primeiras crianças fantasiadas começou a apontar e fazer "ãhn-ãhn-ãhn", como quem diz: "caceta, mãe, olha essa cambada fantasiada! Que porra é essa?" (Porque ele é meu filho, e vai aprender logo umas palavras pesadas, não tem jeito.) Eram princesas, ladrões, roqueiros, pêras, coelhos, jilós e outras coisas que não fui capaz de identificar (o povo é criativo e crafter por aqui). E Arthur ficou embasbacado. Acompanhou-as com olhar e... logo descobriu que elas iam até as casas das pessoas. Casas essas que estavam decoradas e repleta de brinquedos (ou que pelo menos assim pareciam ser). Pronto!
Di, o menino enlouqueceu! Foi "ãhn-ãhn-ãhn" e dedinho em riste o tempo todo. E quando eu perguntava: "Meu filho, você quer entrar nesta casa?", ele sacolejava as duas cabeças (a dele e da raposa) e ficava com os olhinhos vidrados. Liguei pro marido aos prantos, tocada pela comoção que o evento causa: crianças fofas e felizes brincando nas ruas, todo poder ao povo! Ah, chorei mesmo. E fiz marido largar trabalho e vir ficar com a gente, afinal era uma festividade familiar.
O que era para ser uma voltinha no quarteirão virou uma peregrinação pela vizinhança. Vimos casas com decorações simples, casas que pareciam saídas de filmes de terror, casas com pessoas simpáticas, casas com pessoas ultra-simpáticas, casas com cachorros, com gatos, com outras crianças. Pegamos mais de trinta guloseimas (noventa porcento chocolate, uma pena!) e uma mini-tangerina com carinha de abóbora! Fiz questão de visitar minha casa favorita (aqui perto, em frente à igreja, Di. Espetáculo de casa!) e dar uma bisoiada em quem mora, como vive, o que come gente que tem casas lindas como aquela.
Era um cara de uns 40 anos, com cara de rico, roupa de rico (e três carrões na garagem), um cachorro (que pelo latido era grande), bebendo vinho e ouvindo The Doors enquanto distribuía chocolates em meio a uma bomba de fumaça (Arthur ficou fascinado). Ele nos mandou assistir este vídeo, que, segundo ele, já era viral (a filha dele, na faculdade, mandou para ele porque todo mundo estava assistindo). Bom, eu sei lá como é que a raposa faz, mas a minha raposa fazia "ãhn-ãhn-ãhn" a cada casa, e no fim da noite já estava enfiando a mãozinha gorda nas tigelas cheias de doces e enfiando um pirulito verde-euforia na boca. Claro que eu não tirei o papel. Claro que duzentas e doze pessoas vieram me avisar que o pirulito estava embrulhado.
Enfim, foi um dia muito especial, porque além de gostoso fez com que eu me sentisse parte de algo, fez com que eu conhecesse alguns vizinhos e que eu visse que crianças são crianças, e são felizes com pouco.
Agora, Di, o Halloween fez sentido para mim: encheu de esperança e renovou minhas energias para enfrentar o inverno que vem chegando impiedosamente. Mas eu, marido e minha pequena raposa enfrentamos o tempo ruim e, juntos, unidos, nos divertimos.

Beijo, Di. Volto outro dia.

Criançada aqui na rua. <3
OBS: Valeu pela dicas, Helen!