quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Alimentar um bebê de dezesseis meses é...

... se sentir um garçom de churrascaria: mais uma carninha? um franguinho? uma maçã? moranguinho? água? cenoura? carninha?

(Marido é um gênio.)

terça-feira, 29 de outubro de 2013

Cigarras da micareta

Seis da manhã de terça-feira: a dor de coluna por causa do colchão vagabundo me acorda. Sacanagem! Arthur ainda está dormindo e eu poderia descansar mais um pouco, mas tudo bem, vamos lá.
Vou até a cozinha, como um pedaço generoso de bolo regado a suco de laranja, aproveito para dar uma geral na bagunça cativa da cozinha. Seis e vinte. Decido voltar para a cama, nem que seja por uma questão de honra, não acordar antes de o sol nascer.
Entro no quarto e ouço cigarras cantando.
A média da semana foi 4 graus, e eu me pergunto de que micareta essas cigarras saíram. Aproximo-me da janela e sou atingida por uma lufada quente, e me pergunto: holocausto nuclear? aquecimento global? inversão térmica? que porra é essa?
Chego mais perto, abro a persiana com cautela, temendo dar de cara com um extraterrestre que veio me abduzir (melhor eu parar de pedir que isso aconteça quando estiver cansada) e o vidro da janela está estranhamente embaçado. O lado esquerdo é uma nódoa úmida; o lado direito, uma distorção opaca. Caceta! As cigarras estão certas: o dia está quente, mas como, já estamos no outono, que por aqui é de verdade, zona temperada, estações bem marcadas (um beijo, professor de geografia do primeiro ano!)?
Chego mais perto do vidro e decido desembaçá-lo. Ao mesmíssimo tempo em que toco sua superfície gélida, meu vizinho sai do prédio todo encasacado: gorro, luvas, cachecol. As informações díspares causam um efêmero curto-circuito em meu cérebro já não lá muito bom. Calor, frio, cigarras, luvas, ar quente e gorros rodopiam em minha mente. Sinto-me ancestralmente cansada, levemente tonta. Preciso respirar: tento abrir a janela, mas tremo tanto que não consigo. Marido acorda com a movimentação e, das profundezas de seu sono pergunta o que estou fazendo. Tento explicar, confundo-me, enrolo-me, até que ele murmura, já virando-se para o outro lado: ok, ok, só não abre a janela porque senão o aquecimento vai embora. E tudo se ilumina em minha mente.
Fica a dica, gente: aquecedores à água assobiam feito cigarras temporãs.

sábado, 26 de outubro de 2013

Da loucura

Que louco permitiu que eu saísse da maternidade com um bebê? Inepta. Iludida. Descabida.
E que louco, depois de um ano, depois de dezesseis meses, permite que eu, sistematicamente, falhe: mãe, pessoa, profissional, mulher, sã?

Este post é sobre a loucura que ronda, que espreita cada mãe. Cada mãe enlouquece silenciosamente na frustração da rotina. Da quebrada e da inteira. A inteira porque monótona e traiçoeira, vai se apoderando dos pequenos prazeres e fazendo deles pequenas tarefas. Aí, quando se vê, cuidamos por obrigação. A rotina partida, fragmentada, pulverizada frustra porque traz à tona a incapacidade de disciplina. Disciplina nossa, tão importante para que nossos pequenos também se disciplinem.
Aqui, enlouqueço pouco a pouco, engolfada por algo que nem sei bem o que é, onde mora ou como cresce. Parece lama, embrenhando-se e dificultando os passos; lembra lodo, crescendo nos cantos escuros e tornando o passo certo escorregadio.
Ninguém me disse que seria fácil, e eu, adolescente que pari - sim, adolescente, imatura, despreparada e ainda com tanto a descobrir sobre mim mesma -, achei que ser mulher bastaria. Achei que os amigos, em linhas retas, sempre heróis em tudo, davam a medida certa de todas as coisas. Os homens. E também as mulheres. Elas vieram para minha vida depois da maternidade. Todas mães de meninos, por pura coincidência, para que o processo (frustrante também) de comparação possa vir inteiro, completo. Complexo. Elas, essas mães, são fabulosas em seus erros. Uma é linda, despojada, sabe o que fazer em momentos de crise e nunca parece gritar. Deve gritar, eu sei, mas há de ser um grito carinhoso e pleno, não a histeria insana do dedo na tomada, da mão que quase se prende à porta que bate. Um grito de amor: não pode, Fulaninho. Mamãe está falando sério. Sensata essa. É assim que a vejo.
Outra, menos paciente porque sobrecarregada: faz de tudo e mais um pouco sem poder contar com muita ajuda. Essa, embora deva gritar (e até reconhece que o faz), tem a coragem. Vai lá e encara a boca escancarada, o olho esbugalhado, a boca da noite fechada.
Mais uma: essa nem tão segura quanto a primeira, nem tão sem ajuda quanto a segunda. Mas infinita na busca, na pesquisa, na alternativa, na paciência. E eu reprimo, então, minha decepção ao notar que parece que me falta a essência disso tudo que envolve a maternagem.
Pego-me repetindo velhos estribilhos que me fizeram gauche, que me fizeram em linhas tortas (sem Deus para escrever certo, pois sou ateia). Velhos estribilhos, velhas sensibilidades, que doendo em mim, vão doer no meu garoto, reflexo de minha vida.
Olho para Arthur, ansioso, irritadiço, demandando, e reconheço nisso cada falha minha, cada frustração, cada ocasião mal aproveitada e mal dirigida. Olho e me pergunto: que louco permitiu isso?
Amo-o. De um amor intenso, louco, crescente e que me preenche. Mas falho. E sofro. Porque isso não vai bastar a ele. Eu preciso ser amorosa, sim. Mas também tenho de ser inteira, única. Nas minhas linhas tortas, tenho claros problemas de coerência e coesão: porque a gramática que aprendi não fala a língua materna que tenho. Minha comunicação tropeça e se ruidifica: interferências desnecessárias. Falta de sons extremamente precisos. Pareço um megafone ninando um bebê. Um terremoto acalentando meu filho. Um furacão soprando-lhe as feridas (sobretudo as emocionais, que já se abrem diante de mim).
Ele chora, e eu tenho vontade de sumir, de sair, de fugir, de conseguir fazer, enfim, algo de certo, de coerente. Mas repito a ladainha cheia de erros que não combina com a beleza da linguagem-maternagem que sei em mim. É a gramática ruim. São os erros da fala, da mensagem, do meio, e tudo se trunca.
E se ele sorri, desabo. A confiança que vai se mostrar equivocada. Sou um equívoco, uma fraude. Respiro fundo. E pergunto, obsessivamente: quem foi o louco?

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Sobre o segundinho (de novo)

Li com carinho e gratidão cada comentário na minha postagem/pergunta sobre o segundinho. Depois, escrevi um texto que estava intimamente relacionado ao que pensei sobre o assunto. Mas acho que ainda preciso voltar ao tema, e ouvir (vocês e o que eu realmente tenho sentido/pensado/vivido).
Mas vamos fazer isso mais teatralmente?

personagens:
ID
EGO
SUPEREGO

[tarde da noite, bebê dorme de boca aberta, marido também sonha. Ártemis mantém os dois olhões escancarados na escuridão, insone com suas angústias. Entram ID, EGO e SUPEREGO, cada qual querendo pisar mais firme na mente inquieta da moçoila.]

ID: Uhuuu, boa noite, galera! Aliás, ótima noite, noite sublime, noite selvagem, noite...
SUPEREGO: Vamos dormir. Agora! O bebê vai acordar em menos de três horas e então todo mundo vai estar um bagaço, sem forças para aguentar o tranco de dizer não cento e noventa e três vezes - sim, eu contei -, de preparar refeições que vão parar no chão ou no lixo, de insistir para que ele beba água, de enfiar o moleque no banho antes de o sono bater e acabar com qualquer possibilidade de paz e...
EGO: Tá, tá, vocês duas: boa noite, Id. Superego, se ficar listando cada tarefa do dia em suas minúcias vai ser complicado. A pauta do dia é.... que rufem os tambores... "segundinho: ter ou não ter?" Tadãããã!
ID: SIM, SIM, SIM, SIM. Ter, sim, agora, já, foi tão bom ter o Arthur, claro que ela precisa ter mais um e mais outro, e outro, e depois outro. Quem sabe gêmeos? E outro cachorro, e um gato! E quanto amor! Amor é tudo o que importa. E eles podem viver todos numa fazenda, criar as próprias galinhas, vender ovos para uma renda extra e...
SUPEREGO: Id, a gente deveria vender você. Para um circo de horrores! Imagina só! A pobre coitada mal dá conta de tomar banho! Ter um segundo filho, sem querer entrar no mérito financeiro, que é muito importante nos dias de hoje, sobretudo com a nova vida deles em país estrangeiro, enfim... ter um segundo filho implica em menos tempo para que ela se dedique a atividades de caráter pessoal, tipo tomar banho, navegar na internet, realizar passeios descompromissados, entre milhares de outras possibilidades, que servem, acima de tudo, para que ela mantenha níveis decentes de sanidade mental. E quando digo sanidade mental, quero dizer: manter a vida em equilíbrio suficiente para que o estresse ou a falta de espaço pessoal não a engolfe num turbilhão de emoções e cansaços, que fatalmente a levariam a uma recaída da depressão que ela enfrentou quando mais jovem.
ID: Ahhhhhhhh, a depressão! Foi horrível, realmente. Ai, será que ela vai afundar mais uma vez? E o que será de nós? Mas o Arthur é tão bonitinho, é tão lindinho, é tanta alegria na vida dela... eu acho que...
EGO: Calma, vocês duas! Claro que Arthur é ótimo, mas também é uma rotina muito cansativa viver em casa, no momento bastante isolada porque recém-chegada e com poucas referências ainda. Nada de depressão, por enquanto.
SUPEREGO: Não quis dizer que ela está a beira da depressão, é claro. Vocês sempre entendem errado o que eu levanto para debate. Sempre aquém do verdadeiro sentido e da linearidade do que verbalizo.
EGO: [suspiro] Ok, ok. São quase quatro da manhã, gente. Foco!
ID: Ai, quatro da manhã. Que lua L-I-N-D-A!
EGO e SUPEREGO: Foco!
ID: Ok, ok...
EGO: Como eu ia dizendo, existem basicamente três empecilhos para o segundinho. E esse três estão inter-relacionados.
SUPEREGO: [controlada, mas transparecendo leve impaciência] Três? Você realmente acha que são apenas três empecilhos?
ID: [aos berros, salivando] Três???? Não existe nenhum empecilho! Eles se amam, são jovens, ela sempre quis família grande, filho vem com o pão debaixo do braço e, para completar, ai, parir é tããããããooooo gostoso, tão selvagem, tão natural, tão intenso.
SUPEREGO: Está vendo? Mais um motivo para ela parar no primeiro filho, e olhe lá! Parir é tenebrosamente descontrolado: você não sabe aonde aquilo vai dar, não controla as variáveis.
EGO: [bufando baixinho] Posso terminar?
ID: Não!
SUPEREGO: Sim.
EGO: Os três empecilhos são: ela mora sozinha-inha nos EUA. Ou seja, são apenas eles três nas terras de Tio Sam. Existe, portanto, um fator operacional que dificulta a vinda de um segundinho. Por exemplo: com quem Arthur vai ficar na hora do parto?
ID: Com eles? Na sala de parto? De preferência dentro da banheira, brincando enquanto o irmão, ou irmã, nasce...
SUPEREGO: E se a coisa não sair conforme o esperado e ela precisar ir para a cesárea? Vão fazer o quê? Levar o menino para a sala de cirurgia? Que beleza, hein.
EGO: Sim, exato. Precisamos ponderar também que, para além do parto, existe a rotina fatigante dos primeiros dias de um recém-nascido. E ela não vai poder contar com a mesma disponibilidade de horas livres do marido que ela teve quando Arthur nasceu. Agora ele tem um trabalho que exige muito mais dele. Então, vai ser ela sozinha. Completamente.
ID: [com lágrimas nos olhos] Estou tão sozinha. Ela também. Vê? Quatro da manhã e nenhuma luz acesa lá fora, ela está sozinha com suas angústias e ansiedades. É muito triste, é terrivelmente...
SUPEREGO: NORMAL.
EGO: Sim, normal. Todo mundo passa por questões nessa vida. Ela está bem e vai continuar bem. Só precisa realmente pensar e chegar a uma conclusão. Nem que seja a de que, por enquanto, não tem conclusão nenhuma a que se chegar.
SUPEREGO: Muito bem articulado, Ego.
EGO: Obrigada. Achou mesmo?
ID: [pigarreando exageradamente] Podemos?
EGO: Ah, sim. Bom, ela está sozinha, então precisará cuidar de um bebê e de um recém-nascido ao mesmo tempo. E também da casa. Isso é muita coisa. E ela sabe que vai acabar bem estressada.
SUPEREGO: A solução ideal seria chamar a mãe. Ou a sogra. Ou as duas.
ID: Deus nos livre dessa maluquice sem tamanho!
EGO: Não vamos discutir isso agora, certo? Não contemos com outras pessoas, já que elas moram muito longe agora. Voltando, então: ela está sozinha e precisará lidar com tudo sozinha. Para não sobrecarregar o marido. Com isso, ela ficará sem tempo. Estando sem tempo, ficará bem estressada. E estressada, mal curtirá os momentos com os filhos.
ID: Mas tudo será lembranças na velhice. [chorando agora] A velhice é tão solitária, e uma família grande foi com o que ela sempre sonhou...
SUPEREGO: Do que adianta ter memórias de brigas, discussões e irritações?
EGO: Isso. Vamos por esse caminho.
ID: Você sempre ouve muito mais a Superego que a mim.
EGO: Isso não é verdade. Lembra-se do parto? Desde então, quem é que mais me dá conselhos sobre o que devo fazer com Arthur?
SUPEREGO: Se você escutasse o que eu tenho a dizer... Os outros acham que você...
ID e EGO: Danem-se os outros!
SUPEREGO: [suspiro]
EGO: Bom, voltando ao segundinho. Além do que já falei, eles também têm uma renda limitada. E um segundo bebê teria um impacto no orçamento já apertadíssimo deles.
ID: Usa tudo de segunda mão. Eles já têm uma porção de coisas que compraram para o Arthur, podem aproveitar para o outro bebê.
SUPEREGO: É, tipo plano de saúde, né?
EGO: Posso terminar? Bom, haverá impacto. Isso é fato. Some-se a tudo o que já expus e teremos pontos bem fortes contrários ao segundinho. E como se não bastassem esses motivos, ainda é preciso sermos francas: ela está com saudades de ter um tempo só dela, saudades de dormir até um pouco mais tarde, saudades de poder ler um livro. Essas coisas.
SUPEREGO: Ah, sim, e com dois filhos para cuidar, adeus leituras, tempo livre, lavar cabelo. E, cá entre nós, ela já deixa muito a desejar na criação desse menino!
ID: Lá vem você e sua mania de deixá-la culpada, Superego! Deixa a menina! Ela é marinheira de primeira viagem, ela está sozinha num país estrangeiro, ela...
SUPEREGO: E lá vem você arrumar desculpas para as falhas dela. Inadmissível!
EGO: As duas, quietas, já! Ela está se esforçando e ninguém é perfeito.
SUPEREGO: Isso porque ela não me escuta. Se escutasse, ela poderia ser perfeita, sim.
ID: Aham, claro. Senta lá, Superego mala!
EGO: Sem discussão! O bebê vai acordar a qualquer momento para mamar e precisamos ajudá-la. Coitada, olhem só: não prega os olhos, está super ansiosa, tem anseios na vida...
SUPEREGO: Exato! Ainda bem que você tocou nesse ponto! Ela tem anseios. Melhor parar nesse primeiro filho, pois vai ser mais sensato. Imagina só: ela quer seguir sua vida profissional, sente falta de ter seu espaço também em termos intelectuais, quer sentir-se desafiada por questões acadêmicas e profissionais. Como você acha que ela vai dar conta de tudo? Estudos, vida profissional, novos desafios intelectuais, casa, dois ou três filhos?
ID: Sim, mas e o sonho de ter família grande?
SUPEREGO: Nem sempre os sonhos são factíveis.
ID: Mas precisamos dos sonhos. São os sonhos e as emoções que nos mantêm vivos, que nos impulsionam! E o amor, claro!
SUPEREGO: O que nos mantém vivos é a prudência. E é prudente que ela pare no primeiro filho. Tanto em termos profissionais, quanto em termos pessoais e financeiros. Acabou-se o tempo das famílias numerosas. Hoje em dia as pessoas têm restrições orçamentárias porque têm outros anseios e necessidades. Sem contar a questão da inserção da mulher no mercado de trabalho...
ID: Ai, que teoria chaaaaataaaaaaa...
EGO: Vocês duas, quietas! Já pedi! Vamos organizar o que vocês disseram porque nessa ladainha das duas existem uns pontos importantes para esta discussão. Em primeiro lugar, a perspectiva profissional. Se por um lado existem argumentos para que ela tenha somente um filho, conforme bem alardeou nossa amiga Superego.
SUPEREGO: Alardeou, não.
EGO [pigarreando]: Conforme, hum..., sinalizou nossa cara Superego.
SUPEREGO: Obrigada.
EGO: Enfim, embora existam esses argumentos indubitavelmente contrários a um segundinho, há que se pensar também que ela está parada agora, em termos profissionais. Já que está parada, então é melhor que fique parada de uma vez, tenha o segundo, e então, depois que os dois filhos já estiverem mais independentes e na idade de frequentarem a escolinha, aí ela retoma tudo. Ainda será jovem.
ID: Eu estava concordando com você, Ego, mas aí você disse que ela ainda será jovem. Não será, não! Será velha para o mercado! Como você acha que ela vai se reinserir profissionalmente?
SUPEREGO: Finalmente uma colocação sensata desta... hum... deixa para lá.
ID: Oh, céus! Superego concordou comigo? Então retiro o que disse, porque é claro que esse é um argumento anti-segundinho, e vocês sabem que eu quero muito o segundinho, e o terceirinho, e o...
EGO: Como eu ia dizendo, a questão profissional pode ser contornada dessa maneira, e se ela realmente quer um segundo filho, que aproveite a oportunidade de ficar um tempo dedicando-se somente à maternidade para emendar uma nova gravidez, puerpério e todo o processo. Porque esperar cerca de cinco anos para ter o segundo, lembrando que essa foi um estimativa a que ela e o marido chegaram, pode impactar negativamente em termos de vida profissional. E como se não bastasse tudo isso que acabei de falar, quanto mais ela adia, mais complicada a questão se torna, pois ela vai envelhecer...
ID: Envelhecer, não. Ficar vintage.
EGO [rindo discretamente]: Ela não vai ficar mais nova, pronto, e aí temos um impasse entre o relógio biológico, que pede urgência, e o relógio social, que pede calma, pede que ela se reinsira no mercado, que aproveite oportunidades, que se dedique a seus anseios por desafios intelectuais, e só depois retome a questão da maternidade.
ID: Com isso, caríssimas senhoras, chegamos ao consenso de que é melhor ela aproveitar que o bebê está dormindo e atacar o marido agora mesmo, vai que ela está ovulando e...
SUPEREGO: Faça-me o favor!
EGO: Não briguemos! Estamos aqui para tentar chegar a uma conclusão, não a um impasse, então...
ID: Xiiiiii...
SUPEREGO: O que foi desta vez? Insuportáveis essas suas interrupções, Id.
ID: Deixa de ser chato, Superego. Interrompi porque vamos precisar adiar o veredicto.
EGO [assustado]: Por quê?
ID: Porque o bebê acordou.

E com isso, passo noites inteiras acordada, olhando o teto, pensando nos prós e contras do segundinho. E nos prós e contras de pensar e planejar um segundinho.

sábado, 5 de outubro de 2013

Atualização de sistema

Sono: update realizado com sucesso! Dorme sem necessariamente precisar tomar banho antes. Bugs: acorda de hora em hora, ou pelo menos 4 vezes todas as noites.
Coordenação motora: update realizado com sucesso! Anda, corre, faz movimento de pinça, enfia o dedinho gordo no nariz. Bugs: depois de enfiar o dedo no nariz, enfia na boca; instabilidade no correr.
Fala: update realizado com sucesso! Fala novas palavras e entende grande parte do que falamos. Bugs: fala "bye-bye" quando chega; o patinho faz "pá-pá" em vez de "quá-quá".
Alimentação: update pendente. Bugs: Modo aleatório ativado. Come bem, come pouco, come nada, come um tico, come pouco, não come, come bem...

terça-feira, 1 de outubro de 2013

Aprendizagens

Há muito tempo eu vinha pensando em como determinadas coisas que descobri/aprendi/resgatei com a maternidade pareciam muito próximas de vivências e experiências que tive enquanto praticante de atividades físicas.
Sabem, eu fui sedentária por muitos anos. Vinte e seis, para ser mais exata. Eu era a criança que preferia pique-alto porque tinha tempo de descanso, era a adolescente que matava todas as aulas de educação física e fui a jovem adulta que fugia da academia porque, sendo magra, para quê, né?
Um dia, porém, eu acordei e percebi que tinha perdido o movimento do pescoço. Não era torcicolo. Era perda de movimento. E eu sabia que a coisa estava feia, porque nos meses anteriores eu havia, pouco a pouco, sido limitada por meu próprio corpo. Começou com o movimento de torção do quadril, depois eu perdi a capacidade de mover adequadamente os braços, até que um dia, aos vinte e seis anos, eu perdi todos esses movimentos mais a capacidade de virar o pescoço. Fora a dor, que já me acompanhava desde meus 11 anos.
Resolvi procurar ajuda, claro. Fui a diversos ortopedistas e iniciei um longo processo de recuperação com fisioterapia. Eu era a única jovem da minha "turma" de pilates fisioterápico. Ao meu lado, senhoras e senhores que conseguiam levantar mais peso e ter mais mobilidade que eu, que estava no auge da juventude. Na minha avaliação, constatou-se que eu havia perdido quase toda minha massa muscular (não sei o termo técnico) de determinada parte das costas, estava fraquíssima e, pior, com a coluna seriamente comprometida, pois não havia sustentação e uma hérnia se anunciava como a próxima etapa da deterioração de minha saúde óssea/postural. Fora a pelanca na barriga, mesmo sendo magra, as enxaquecas quase diárias e, claro, a lordose horrível, que me dava um ar de derrotada mesmo nos dias mais felizes da minha vida.
Decidi mudar. Era uma escolha: ser saudável e enfrentar meus preconceitos (já que eu nunca havia feito atividades físicas de forma sistemática antes) ou continuar na minha zona de (des)conforto.
Dediquei-me à fisioterapia e, mesmo sem receber alta (fisioterapeutas, não me matem; e leitores, não repitam isso em casa!), me matriculei numa atividade física. Escolhi uma que eu sempre quis fazer: balé! E aos vinte e seis, quase vinte e sete, comprei minha primeira sapatilha.
A turma, assim como no pilates, era composta de pessoas mais velhas que eu. E, claro, pessoas com muito mais experiência no balé. Então, eu era a mais jovem, a mais flácida, a mais descoordenada e a que menos tinha conhecimento das posições e fundamentos da dança.
Insisti. Fui em frente. Chovesse ou fizesse sol, ia eu lá para o balé, para a fisioterapia, e um ano depois já não tinha enxaquecas, havia recuperado meus movimentos e a hérnia voltara a ser apenas uma sombra no horizonte (embora eu tenha até hoje espondilolistese).
Depois do balé, fiz ioga, alongamento e pilates de chão e com bolas, hidroginástica, musculação...
Mas o que eu quero contar aconteceu mesmo no balé.
Cheguei com as sapatilhas novas, o collant, a calça, e logo na primeira aula veio a frustração, o desafio incompleto de executar com perfeição o movimento.
Se você nunca entrou em um studio de balé, informo: é cruel. Só os fortes sobrevivem. E não digo isso só porque bailarinos clássicos (ou outros, mas como eu fiz balé clássico, vou falar sobre ele) são fortalezas musculares. Não, não! A crueldade está na parede INTEIRAMENTE espelhada. É um espelho IMENSO, GIGANTESCO, do qual você não pode escapar e que a cada movimento coloca em perspectiva o seu movimento e o da professora, a sua execução e a dos seus colegas. É cruel!
Meu conselho: não desista, mesmo que você veja o quão limitada é sua musculatura e o quão precária é a sua coordenação motora.
Então, eu estava no meio dessa crueldade toda, lutando muito para coordenar membros superiores, inferiores e respiração (convém não desmaiar nas aulas, né?), quando tive um clique. Sabem aqueles cliques que depois você até conta para as pessoas e elas fazem cara de "e daí essa coisa óbvia?", mas que é uma coisa tão óbvia, tão evidente, mas que você nunquinha tinha notado antes, e que depois que você percebe essa coisa coloca toda sua vida em perspectiva? Pois é. Tive um desses.
Entre um demi plié e um pas de bourrée (meu terror!) eu vi: minha limitação. Bem ali. Na minha frente. Posta ao lado das limitações alheias. E também lado a lado com os êxitos alheios. E eu vi que se eu me enrolava toda no pas de bourrée (causando comoção na aula quando enfim acertava o passo), minha incrível flexibilidade nata me colocava no mesmíssimo patamar da professora, quando o assunto era alongar as pernas (arrasava nos jettés!).
Isso, meu deus!, revolucionou minha vida.
Daí eu saí do balé, fui para a ioga, para outras práticas, outras maneiras de me conectar com meu corpo, sempre tendo em mente esse aprendizado do balé: limites. Os meus.
E aí eu engravidei. E pari (cheia de limitações, rompendo algumas barreiras, ficando em outras). E fui, fui, fui. E depois que Arthur chegou, fiquei matutando sobre essa coisa de aprender e de perceber o corpo material e de como ter um filho oferece a genial oportunidade de revisitarmos determinadas vivências.
E então, hoje, eu assisti a este vídeo (clique na imagem):


E, finalmente, eu entendi: ter um bebê é ter a incrível e única oportunidade de resgatar em si aprendizagens há muito esquecidas. É a grande dádiva que a natureza nos dá para que observemos mais uma vez o prosaico, aquilo que a repetição dos experts fez embotar: que para seguir adiante, precisamos dos pequenos movimentos executados com a máxima consciência e perfeição de que formos capazes. Porque só assim, plenamente conscientes do lugar em que estamos e do corpo que habitamos, somos capazes de escolher, aprender e conquistar.
Não desistam, tentem outra vez.